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Reticente


A parte mais difícil de escrever é sempre o começo, pelo menos para mim. O início é a inquietação primeira, é o que provoca o regurgitar de palavras e sentimentos e desejos e frustrações. Contei 60 minutos parada, pensando, bebendo e fitando a página em branco do computador, sem saber como começar. Mergulho em memórias, organizo ideias, provoco a mim mesma e, entre goles e suspiros, lembro da vez que amei.

Não foi fácil, nenhum amor o é. Eu cá, ele lá. Entre nós, um celular e 7308 quilômetros de distância. Foram quase três anos de paixão, de riso, de choro, de amizade, de sacrifícios e de madrugadas insones, graças ao fuso-horário, que nos permitiram amar através do único instrumento possível: a palavra. Não havia toque, não havia abraço, não havia beijo, nem afago. Mas havia amor, e não me peça para explicar como.

Fui, assim, levando a minha história de amor. Crendo no quase-impossível. Trocando mensagens, ora carregadas dos meus mais puros e ingênuos sentimentos, ora do meu, ainda jovem, desejo de mulher. Foi tudo perfeitamente imperfeito. Sensação sem igual, essa de amar e ser amado. O riso randômico, sem motivo. O brilho nos olhos. O arrepio. A conexão absurda, que ninguém ousa explicar. Uma ânsia tão grande pelo outro que te faz capaz de chegar até ele só pelo pensamento. Fui aos Estados Unidos tantas vezes sem tirar os pés de Fortaleza... Mas a plenitude era tanta, que desconfiei. E o que a tecnologia uniu, ela mesma tratou de separar.

Nome, sobrenome, profissão, estado civil: tudo mentira. O amor, ele jurou que não. Ali, aos 17 anos recém-completados, descobri que pior do que perder um amor é saber que ele nunca existiu de verdade. Deixei lá no passado as mentiras e trouxe comigo as cicatrizes do meu não-amor. Confuso, não? Cicatrizes causadas por algo que não existiu.

Para o inferno todas essas explicações simplistas sobre o amor! Como explicar algo tão insano e instruído? Sete cabeças tenho eu! O amor é um bicho de muitas mais. É tornar-se forte e vulnerável ao mesmo tempo, sem saber como isso é possível. É sorrir e é chorar. É gozar e é broxar, também. É paradoxal, Camões bem que avisou. Tão astuto que chega a ser estúpido, pois, ora, o quão estúpido é se entregar a alguém? É masoquista, a dor mais prazerosa de todas.

Minha condição é que ele rasgue, que fira, que inflame, que arda, mas que me acalente ao fim do dia. E que transborde. Pelos dedos, pelos olhos, pelas pernas, pelos poros, pela alma. Que escorra aos litros.


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