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Como uma das maiores ficções científicas da história, Blade Runner 2049 faz jus ao nome que leva


1982.

Na década das excentricidades, o cinema recebeu uma obra que não foi valorizada pelo público, talvez ainda não preparado para seu impacto. Conhecido como um filme incompreendido na época, Blade Runner, do diretor Ridley Scott, trazia uma atmosfera visual, perceptiva e tematicamente distinta, com ambientações futuristas e uma sociedade construída no que pareciam ruínas de um filme noir. A produção se inspirou no livro “Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick, reconhecido por suas ficções científicas.

Fracassado nas bilheterias e com alterações na edição final, Blade Runner se tornou reconhecido anos depois, com a experiência do VHS. A edição que foi aos cinemas não era a desejada por Ridley Scott, com uma narração em off de Harrison Ford e cenas cortadas. Somente em 2007 a edição final foi lançada, o Final Cut de Scott, sem a narração e com as cenas excluídas. Na época, já estava firmado como um clássico cult. Suas indagações sobre o futuro do capitalismo, relações afetivas e o desenvolvimento da sociedade mais tecnológica eram atuais. Filmes como Ghost in the shell (1995) e Matrix (1999), outros sci-fi de destaque, beberam de sua fonte. A história, que antes parecia confusa, foi estudada e apreciada por quem antes, na década de 1980, a ignorava.

2017.

35 anos depois, a obra de Scott finalmente ganha uma continuação, após o final aberto do filme de 82. O escolhido para comandar a produção foi o canadense Denis Villeneuve, diretor em alta no meio cinematográfico e autor de filmes incríveis nos últimos anos. O homem duplicado e Os suspeitos, em 2013. Sicario, em 2015. A chegada, em 2016. O homem simplesmente não para de surpreender. Com o traço de direção de uma paciência contemplativa e a capacidade de extrair o máximo em um take, seja em uma paisagem grandiosa, seja em um olhar estático porém profundo, o diretor exibe todo o seu potencial em Blade Runner 2049. É visível o respeito e a admiração que Villeneuve tem pela obra original, que o inspirou a amar as telas de cinema.

A divulgação de 2049 merece destaque. Antes de sua estreia, foram lançadas produções que explicam o que aconteceu entre 2019, o ano em que se passa a história do filme de 1982, até 2049. Em 30 anos, os eventos que moldaram o cenário de 2049 são mostrados em três vídeos especiais: um curta de anime, em 2022; a origem dos andróides/replicantes, em 2036; e a história de um personagem um ano antes de 2049. Não são imprescindíveis para assistir ao novo filme, mas são úteis para melhor compreender a trama.

Agora, enfim, a história, . Na Los Angeles de 2049, novos replicantes são aceitos na sociedade. Criados pela Wallace Corporation, comandada pelo personagem de Jared Leto, esses replicantes são mais seguros e mais obedientes, não mais caçados, como era o serviço de Deckard, personagem de Harrison Ford, no filme original. O bastão desse trabalho é passado para K, personagem de Ryan Gosling, que tem o dever de procurar e acabar com replicantes de gerações mais antigas, uma possível ameaça aos atualizados. Ele mesmo, porém, é um replicante, caçando aqueles de sua própria espécie.

Após uma missão bem sucedida, ele encontra algo que pode mudar a realidade da tecnologia replicante atual, saindo em busca da origem do objeto e atraindo atenções indesejadas. A partir deste ponto, explicar mais sobre a história é spoiler.

As ambientações se assemelham à obra de 1982. Ccom um tom escuro, porém recheado de neons, traz a recorrente chuva e o ar de caos em meio à solitude. Villeneuve, junto com o diretor de fotografia Roger Deakins, varia entre cores vibrantes e mais claras, para a escuridão da Los Angeles futurista. A trilha sonora de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch atualiza a inesquecível original de Vangelis, dessa vez mais eletrônica e emergencial. Com 2h40min de duração, Blade Runner 2049 é tão paciente quanto seu original, com o tempo para a admiração necessária de cada cena. Villeneuve não tem pressa de mostrar o universo da história, mas não cansa o espectador, pois a trama flui naturalmente, sem percalços desnecessários. Jared Leto e Robin Wright entregam atuações boas na medida que seus personagens permitem. Harrison Ford retorna muito bem como Deckard, com uma carga traumática explícita. Mas o foco fica em Ryan Gosling como K. Apesar da necessidade de estar contido, por ser um replicante, ele é capaz de demonstrar todo seu drama por meio de olhares. Aliás, os olhos são a boca dos replicantes, embora, como citado no filme, eles não tenham “alma”.

E esse é um tema que perpassa o universo de Blade Runner. O que seria a alma? Qual sua relação com nossas memórias, com nossos sentimentos? A dúvida acerca das diferenças entre humanos e replicantes é sempre discutida. Seriam nossos pares genéticos, A-T e G-C, tão distintos do par binário 0 e 1 das máquinas? O amor pode ser reproduzido com um cálculo matemático? Os limites do Criador não são balanceados, como Wallace, interpretado por Jared Leto. “Por instinto, o medo é o que sentimos assim que nascemos, por aquilo que ainda não conhecemos”.

O filme contém semelhanças em Brazil (1985), de Terry Gilliam, que foi influenciado pelo próprio Blade Runner (1982), e com Her (2013), de Spike Jonze. A construção de ambiente e o uso da tecnologia pela população são referenciadas por Villeneuve, que se firma cada vez mais como um dos melhores diretores em exercício.

Assim como seu original, Blade Runner 2049 entra para a lista das maiores ficções científicas do cinema.

P.S.: Se tiver a oportunidade de assistir em IMAX, assista. A experiência é inesquecível, intensificando o impacto da trilha sonora atualizada e das cores fortes. O 3D, no entanto, não acrescenta.


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