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Em “Mãe! (2017)”, Aronofsky transforma tormenta rica e visceral em arte


“Mãe!” é um filme daqueles que raramente aparecem. Fazia algum tempo desde que o cinema não via uma obra tão divisora e, ao mesmo tempo, impactante - para bem ou para mal. Fresco de uma releitura bíblica em “Noé” (2014), o diretor e roteirista Darren Aronofsky sai de um épico de grande orçamento (de qualidade dúbia) para retornar ao cinema tenso-intimista que ele provou ser capaz de fazer em “Cisne Negro” (2010). O filme acompanha uma mulher (Jennifer Lawrence) que vive com seu marido (Javier Bardem) em uma casa reclusa. Ele é um escritor renomado que tem vivido um bloqueio artístico. Ela, trabalha em reparos na casa, considerando aumentar a família. Certa noite, um estranho (Ed Harris) chega no lar do casal, precedendo a vinda de outra pessoa (Michelle Pfeiffer). A rotina e as relações na casa logo são desestabilizadas. Antes das gravações, Aronofsky se reuniu com o elenco em um galpão por três meses para ensaiar e testar movimentos de câmera. O trabalho é visível na tela: o elenco brilha e a fotografia é quase um outro personagem no filme. Closes fechados no rosto de Lawrence ajudam a intensificar seu torpor, enquanto os movimentos rápidos da câmera em planos mais amplos são executados com tamanha naturalidade, que fazem com que a casa - na qual o filme inteiro se passa - cresça enormemente. Jennifer Lawrence tem sempre uma presença muito forte na tela. Um dos maiores nomes na indústria do cinema atual, a incansável atriz está à beira da saturação (sábia, ela diz que pretende tirar um tempo sabático após o lançamento de “Operação Red Sparrow”, em 2018). Aqui, ela faz um trabalho competente e realmente se destaca no final do longa. No entanto, quem rouba a cena é Michelle Pfeiffer: magnética, a veterana se move com uma destreza hipnótica, quase felina. Se alguém envolvido com o filme tem chances reais de chegar ao Oscar, é ela.

Outro elemento notável é o som. A trilha sonora que havia sido composta para o filme foi descartada pelo diretor de última hora, que preferiu trabalhar com sequências mais silenciosas. A escolha foi acertada, acentuando o clima de paranóia e alcançando um resultado positivo.

Vendido como um filme de terror, “Mãe!” transcende o gênero ao começar como um drama lento, que ganha força a partir do segundo ato com os elementos de mistério e, quando se aproxima do fim, engata a marcha número cinco e aciona o turbo sem sequer pedir ao espectador que aperte os cintos. “Mãe!” é um filme-desafio que progressivamente intriga e demanda. Se compensa? Muito se tem dito que é um daqueles filmes “ame ou odeie”. Este crítico aqui tende mais para a primeira opção. Os personagens não são nomeados, o que reforça o sentido metafórico do filme. Cada espectador pode enxergar algo diferente, pode interpretar as coisas de maneira distinta. Temas como dedicação artística, meio ambiente, religião, fama e violência constituem algumas das diversas vertentes sob as quais o filme pode ser analisado. A diversão de “Mãe!” está em desvendar as camadas que podem ser depreendidas ao longo do filme e discutidas por um bom tempo após os créditos rolarem.


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