Laço eterno
- Maria Alice Ferreira
- 3 de jun. de 2017
- 5 min de leitura
O fim de semana chegava novamente; com ele a alegria, o descanso em família... Estava uma noite agradável, meus pais e minha irmã tínhamos combinado de passar o domingo naquela casinha tão amada, a casa de nossos avós maternos, já falecidos. Os desafios do dia a dia sempre tiravam da gente a motivação de encontrar nossos parentes, de ir a praia, de assistir um espetáculo, mas resolvemos deixar tudo isso de lado e viver esse fim de semana. A noite continuava avançando e eu ia caindo lentamente em um sono profundo e gostoso.
Acordei naquele domingo com os raios de sol invadindo meu quarto através da velha telha de vidro, enquanto o galo também entoava o seu lindo canto matinal. Poxa, reparei só agora que quando vamos encontrar aqueles a quem amamos, o relógio sempre parece correr e o tempo geralmente é pouco, pouquíssimo! Fazia um sol maravilhoso quando pegamos o transporte público. O trajeto era longo, e vivíamos aquela “viagem” agradável olhando a paisagem da cidade. Há quem diga que beleza só se encontra no campo, pois eu digo que não: enquanto meus olhos corriam fartos pela janela, avistei um vendedor de picolé que, mesmo com aquele sol escaldante, não parava de sorrir, rodeado de crianças ansiosas por algo gelado em um dia quente; uma senhora de idade era ajudada, por um bom moço, a atravessar a avenida; o casal de namorados caminhava de mãos dadas para algum destino desconhecido; borboletas voavam livremente em meio aos carros parados no semáforo. Lembrei-me então do trecho de uma canção do grande Roberto Carlos: “Vai ser lindo esse fim de semana...”
A cada movimento do pneu do ônibus, surgiam novidades para compor nossa visão, à medida que o destino ficava cada vez mais perto. Na Rua Albânia, no bairro Maraponga, existe uma velha casa, casa esta que abrigava memórias muito antigas, algumas tristes, mas a maioria alegres. Se o leitor estivesse no meu lugar poderia olhar na direção da primeira casinha da rua, a mais simples e mais bela, a mais humilde e a mais rica em termos de alegria. Difícil dizer com clareza a atmosfera que aquele local traz. Um portão escuro e enferrujado de duas aberturas compõe a fachada, o banquinho no pé de árvore ainda está por lá. O orelhão quase inutilizável preenche o lado esquerdo, onde antigamente existia um pé de azeitonas roxas. Logo na entrada estava aquela área onde sempre ocorria a maioria das reuniões familiares - e o espaço era pouco, tendo em vista que existiam dez irmãos, além dos sobrinhos, filhos, netos e bisnetos. Olhando para cada cantinho que compunha o que meus olhos viam, era impossível não sentir uma saudade imensa dos meus avós. Tudo se fazia lembrança: o parapeito, a máquina de costura, a cerâmica desgastada pelo tempo. É quase possível ouvir agora a risada gostosa da matriarca da família.
fotos: Maria Alice Ferreira
É necessário descrever essa paisagem para que quem caminha por essa linhas possa entender a essência do local, da família, da irmandade. Todavia, o dia estava apenas começando. A criançada recepciona a gente no portão, com abraços tão apertados e tão aconchegantes que nos deixam maravilhados. Na casa principal, uma das tias prepara algo para comermos. Aquela mulher tinha uma força incrível! Mesmo com seus problemas e dificuldades do dia a dia não deixava de sorrir, e era a dona de um dos melhores sorrisos daquele lugar. No mesmo terreno, mas na casa ao lado, existe a tia caridosa, por onde passava queria ajudar o próximo. Também existem os tios, que apesar de serem homens feitos são muito brincalhões, e era difícil controlar as risadas vendo as palhaçadas que eles criavam. Tem a tia confeiteira, a tia “coração de mãe”, a tia simpatia… Os outros parentes começam a chegar também, surge a prima que mais parece um arco-íris (difícil definir a cor de seu cabelo); a prima que quer ser maior que todo mundo, a prima cantora, a prima intelectual e dona de casa, a prima de cabelinho curto, a prima que ainda está aprendendo a falar, o primo que imita o dinossauro, o primo que toca bateria. Enfim, cada uma dessas características confere cores, sabores, tons e singularidade àquele local. Ora, sempre soube que aquele povo ia dar coisa boa, gente talentosa, gente família, amigável e com uma forte fé.
As crianças corriam, pulavam, gritavam, e todo esse som ecoava nas paredes, nos ouvidos, na alma de cada um de nós, e até nas pessoas que passavam pela rua pouco movimentada. É engraçado dizer que os adultos sempre pediam silêncio, mas quem conhece sabe, que a família cujo sobrenome é Ferreira sempre foi conhecida por falar alto, gritar, berrar para ser ouvido. Olhando tudo isso, decidi sair um pouco de perto do povo, ir até o parapeito e sentar-me; sentir o vento bater em meu rosto e parar um pouco para pensar no quanto era bom dividir aqueles momentos. Como deveria ser difícil viver sem uma família. Para espraiar essa nuvem de tristeza que se fez, aparece um passarinho - o bichinho fazia festa em seu ninho, voava de um lado para o outro trazendo alimento ao seu filhote - e olhando para ele pensava: será que um dia poderei voar como ele? Ser alegre como ele? E já tenho a resposta: eu já sou, essa família já me proporciona tudo isso, ela já me dá asas, já sou feliz, sou parte de um povo, de uma história.
Não demora muito e um cheiro característico me invade o olfato. Já estava pronto o prato mais degustado naquela residência: baião com galinha caipira, sempre uma delícia! O almoço passava e parávamos um pouco no intuito de “tirar” aquele típico cochilo da tarde. Uns deitavam na cama, outros no chão e outros na rede, o que não faltava era lugar.
O tempo do cochilo havia acabado e era hora de nos reunirmos na área da frente, tomarmos um belo e delicioso café, comermos tapioca, darmos gargalhada e esperarmos cair a tarde. Os mais jovens sentavam para jogar algumas partidas de “uno”, os mais adultos jogavam conversa a fora, costuravam e cuidavam dos pequenos. Já eram quase 18:00 da noite, parecia que era chegada a hora da despedida. Arrumamos as coisas com o coração bem pequenininho - a saudade já começava a invadir a alma, antes mesmo de nos despedirmos. Viver aquele dia foi um refrigério para a alma de cada um, e os sorrisos não paravam de carimbar o meu pensamento. O ruído das risadas ainda era ouvido, a medida que carro ia se distanciando daquele local tão querido. Já em casa, deitada na cama, escrevo o registro desse dia na agenda. A verdade é que família é tudo, não importam os defeitos, sempre iremos amar cada uma daquelas criaturas. Era hora de dormir e sonhar, sonhar com um novo domingo. Esperava logo chegar outro fim de semana. A saudade já vinha me apertando o peito e refletia-se em um sonho sonhado ainda acordado, e depois no estágio mais avançado e mais profundo do meu repouso.
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