Especialização paga: as duas faces da moeda
- João Pedro Fernandes e Maria Alice Ferreira
- 21 de mai. de 2017
- 4 min de leitura

Foto: Ivig Freitas
Após a rejeição da Câmara e o arquivamento da PEC 395/14, o Supremo Tribunal Federal aprovou, no último mês de abril, o processo que confere legalidade para que universidades públicas possam cobrar mensalmente pelos seus cursos de pós-graduação na modalidade lato sensu - MBA (Master Business Administration) e cursos de especialização. Para muitos estudantes, membros da área da educação e deputados que se posicionaram contra a medida, a aprovação representa uma forma de privatização do ensino, alterando o artigo 206 da Constituição, que diz respeito à gratuidade do ensino público.
Por outro lado, alguns professores aprovam esse pagamento a partir de um olhar sobre as próprias carências do ensino público. “A sala não tinha armário, datashow, birô ou computador, com o pagamento a pós-graduação pode prover isso, caso exista um saldo final após o pagamento dos professores e funcionários, entende-se uma possibilidade de se investir na infraestrutura e isso é importante” , afirma Ricardo Catunda, professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenador do curso de especialização em Educação Física Escolar.
“A primeira coisa que o aluno faz é pedir uma bolsa na secretaria.”

As especializações em Educação Física escolar e em “Personal Training” da UECE apresentam cargas horárias de 495 horas e 465 horas, respectivamente. A duração de ambos é de 18 meses, com parcelas de 280,00 e 350,00 reais. “No caso, nós promovemos descontos para aqueles que demonstrarem ou declararem uma certa dificuldade em arcar com os custos. Muitos estudantes possuem outros tipos de gastos, pois cerca de 60% de nossos alunos vêm do interior, como Quixadá, Russas, Canindé, Flexeiras, dentre outros. Esses estudantes adquirem mais despesas com o pagamento de estadia, deslocamento e etc,” declara Ricardo Catunda.
Notavelmente, o orçamento oriundo de estudantes que desejam uma melhor qualificação representam mais investimentos, tanto no ensino como na infraestrutura. Nessa questão, Ricardo ainda afirma: “O lato sensu tem o ‘charme’ de trazer o aluno primeiramente para a prática e o mesmo vai exercitar tudo isso no mercado, lá fora. Pois esse profissional aplicou seu próprio dinheiro na sua qualificação para o mercado.”
“A cada turma o dispêndio do curso pode aumentar, por conta de alterações de cobrança na própria pós graduação” [...] o perfil de nossos alunos tem surpreendido bastante, existe um grande número de estudantes que se deslocam do interior para a capital, no intuito de buscar uma melhoria de vida. Isso é muito bom, mas também muito triste pois com esse dado entende-se que nos interiores não existem ainda cursos desse tipo”, declarou Paula Matias Soares, professora Adjunta e vinculada ao Curso de Licenciatura em Educação Física do Centro de Ciências da Saúde (CCS-UECE) e coordenadora da pós-graduação de Especialização em “Personal Training.
No lado em que se fala em uma possível privatização do ensino, são evocadas as conquistas históricas que a população brasileira conseguiu do Estado, o papel democrático da educação e a própria história das universidades públicas, como afirma o Professor Júlio Ramon Ponte, sociólogo e professor da FEAAC - UFC:“Não faz sentido [...] abrir exceções a esse princípio balizador, mesmo que seja para os cursos de pós-graduação Lato Sensu. Todavia, entendo que tais definições deveriam ser discutidas e deliberadas democraticamente pela comunidade acadêmica em cada instituição de ensino federal, seguindo os passos da UFF (Universidade Federal Fluminense) realizou plebiscito em 2010 para deliberar justamente sobre o tema.”

Foto: Carlos Humberto (SCO-STF)
Entretanto, do outro lado se opõe um setor que afirma que especialização lato sensu não é uma atividade de ensino, e, portanto, não é contemplada pelo texto constitucional, já que o inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal garante a gratuidade apenas do ensino público em estabelecimentos oficiais. Deste lado e com o mesmo argumento, está o Supremo Tribunal Federal, que no dia 26 de abril admitiu, por 9 votos a favor e 1 contra (o Ministro Celso de Mello estava ausente), a cobrança em cursos lato sensu nas universidades públicas. Por ser decisão do plenário da Suprema Corte, gera-se jurisprudência e todas as instâncias devem acompanhar o entendimento do STF. Ademais, os defensores dessa face da moeda afirmam que sem a cobrança os cursos simplesmente deixarão de existir, pois os recursos são escassos e não há como as universidades bancarem tais programas em detrimento da stricto sensu e até mesmo da graduação. Além disso os cursos oferecem bolsas para os que precisam e geram recursos para as universidades, como pontua o Professor Almir Bittencourt, economista e Pró-Reitor de Administração da UFC: “A oferta de cursos de especialização [...] possibilitará que profissionais já atuando no mercado de trabalho, que podem pagar pelos seus estudos de aperfeiçoamento, possam usufruir da possibilidade de retorno à universidade para atualização e reciclagem em suas carreiras e trabalhos. Assim, as universidades públicas também ganharão com a receita gerada pelos cursos de especialização, podendo aplicá-las na melhoria de laboratórios, salas de aula, equipamentos pedagógicos e de informática. Com isso, os cursos de graduação e os estudantes neles matriculados serão beneficiados com a melhoria ou ampliação da infraestrutura de ensino e pesquisa.”
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