Divergências entre comerciantes e Prefeitura marcam o encerramento da Feira José Avelino
- Alexia Vieira e Letícia do Vale
- 14 de mai. de 2017
- 4 min de leitura
Fim da Feira José Avelino é previsto para hoje, Dia das Mães. Decisão tomada pela Prefeitura ainda gera descontentamento entre os ambulantes.

Foto: Alexia Vieira
Hoje, dia das mães (14/05), é o último prazo para o fim da Feira José Avelino, localizada no entorno do Mercado Central, centro de Fortaleza. A decisão tomada pela Prefeitura se baseia em problemas urbanos causados pelo caráter irregular do comércio. A solução encontrada foi a realocação dos ambulantes para boxes públicos construídos no Mercado São Sebastião, Mercado Central e no Centro Municipal de Pequenos Negócios (antigo beco da poeira). Outra opção para os trabalhadores será a compra de boxes no Centro Fashion, no bairro Jacarecanga. Apesar disso, existe um movimento contrário à transferência dos feirantes, evidenciando a falta de diálogo entre a Prefeitura e os comerciantes durante o desenvolvimento dessa decisão.
De quarta para quinta e de domingo para segunda, a “feira da madrugada”, como ficou conhecida, funciona intensamente enquanto a cidade dorme. Não é de hoje que milhares de cidadãos se utilizam desse meio para conseguirem seu sustento. Na feira, que já esteve localizada em diversos pontos no entorno do centro, é possível encontrar vendedores com mais de 20 anos de exercício. A prática faz parte da tradição fortalezense e reúne enorme fluxo de pessoas, inclusive de diferentes partes do Ceará e até de outros estados.
Segundo a Prefeitura, a atividade na José Avelino tem causado transtornos, como a grande quantidade de lixo despejado no espaço, uma vez que não existe nenhuma forma de depósito de resíduos contemplando a demanda. A falta de segurança é uma reclamação comum, tanto por parte dos ambulantes quanto por parte do Governo, considerando as ocorrências de assaltos na área e nos arredores. Desorganização, evasão fiscal, trabalho infantil e criação de obstáculos no trânsito fazem parte do cotidiano da feira. “É uma decisão da Prefeitura de reordenar esse espaço e dar oportunidade pras pessoas”, afirma Adail Fontenele, secretário da Regional do Centro. A medida vem depois de outras tentativas de solucionar a complicação. “Teve um esforço muito grande da gestão anterior de tirar [a feira] da Catedral e colocar na José Avelino. Adiantou de nada. A própria administração do primeiro mandato do prefeito Roberto Cláudio já tentou ordená-la no mesmo espaço. Isso não foi possível, ela se espalhou”, completa.
No entanto, essa determinação não aparenta agradar completamente os comerciantes. Na última quinta (11/05) foi realizada uma manifestação a favor da permanência da feira na José Avelino, organizada pela Associação de Feirantes e Ambulantes do Ceará. Reivindicando o estabelecimento de um diálogo entre eles e a Prefeitura, a população vestia camisas com os dizeres “#EuFicoComAJoseAvelino”, distribuídas juntamente à adereços como apitos, bandeiras e adesivos. Palavras de ordem eram ditas pelas principais figuras do movimento, como Silvia Braz, presidente da Afaece. “Queremos trabalhar mas o Roberto Cláudio não quer deixar”, era gritado de cima de um trio elétrico. Raile Cristina Damaceno, 18, acompanhava a manifestação, apreensiva: “Quero acreditar que o pessoal vai ficar, vai lutar, mas não posso garantir”. A ambulante, que trabalha há um ano e meio na José Avelino, admite a necessidade de revitalização da feira, mas não aprova o encerramento imposto pelo Governo. “Não teve diálogo. Eles [a Prefeitura] disseram que a gente podia opinar sobre tudo, menos sobre o fim”.

Foto: Alexia Vieira
A opinião de Raile sobre a não participação dos trabalhadores no plano municipal é comum entre eles. Outra pessoa que compartilha dessa visão é Isleide Farias, de 49 anos e feirante há 5, que aponta a solução como ineficiente, não contemplando a maioria dos ambulantes, inclusive ela. Sem lugar para trabalhar após o fim da feira, a vendedora tenta explicar seu ponto de vista com uma analogia: “Quando você vai ao médico, antes dele receitar o remédio, ele pergunta o que você tem. Aqui, não aconteceu isso. Eles não podem solucionar o problema sem perguntar pra gente primeiro”.
Ainda que a Prefeitura tenha lançado algumas opções, para os feirantes, de novos espaços, a localização deles ou o preço de manutenção são fatores que levam os trabalhadores da região a rejeitar essas possibilidades. A gestão municipal disponibilizou 326 boxes públicos, distribuídos no Mercado São Sebastião, Mercado Central e Centro Municipal de Pequenos Negócios (antigo beco da poeira), mas o número de vagas não contempla a grande quantidade de pessoas que trabalham na José Avelino. Outra saída apresentada pela Prefeitura, a compra de boxes no Centro Fashion da Jacarecanga, vai muito além da capacidade financeira da maioria dos feirantes, custando a partir de 15 mil reais. “Se o pessoal continuar [na rua], eu continuo também, é o jeito, né? Temos contas pra pagar. Como que eu vendendo peça a 10 reais vou pagar esse preço?”, desabafa Isleide.
A ex-gestora da Regional do Centro, Luíza Perdigão, e membro do planejamento urbano Fortaleza 2040, reconhece a importância da feira, mas é a favor do fim. Ela afirma que o comércio é significativo em termos de geração de lucro para a cidade e renda para os ambulantes, porém defende que as ruas do centro não têm capacidade para sustentar o constante crescimento da feira. “Nós queremos acolher a atividade e não matá-la, então por que não levar para um local onde possa crescer?”, diz em relação ao bairro Jacarecanga. Promissor polo de confecção previsto no plano 2040, por conta do fácil acesso e por ser um bairro com espaços disponíveis para esse empreendimento, Jacarecanga é apresentado por Luíza como uma opção viável de substituição da feira na Rua José Avelino.
Nota:
Após a Prefeitura ignorar as recomendações do Ministério Público no Ceará (MPCE) de suspender a retirada dos ambulantes da José Avelino, foi expedida uma liminar no sábado (13) pelo desembargador Durval Aires filho que impede essa realocação. Conforme a decisão, a ação da Prefeitura causará diversos prejuízos para a população de feirantes, e, assim, é pedida uma maturação do processo. A gestão municipal responsável pelo caso ainda não se pronunciou sobre o assunto por preferir aguardar uma notificação oficial da Justiça.
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