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Slow fashion: uma nova forma de consumo?

  • Heloisa Vasconcelos e Lívia Carvalho
  • 13 de dez. de 2016
  • 5 min de leitura

Comida rápida, informação rápida, moda rápida. Desde a terceira revolução industrial, os ritmos de produção se tornaram acelerados, a fim de gerar mais consumo. Em contraponto à rapidez desenfreada, surgiu o movimento slow na Itália em 1989, voltado inicialmente à gastronomia, com objetivo de valorizar a cultura e os chefs locais. Essa tendência se expandiu para várias áreas, incluindo a moda, na tentativa de fazer o oposto do senso comum: desacelerar a produção e diminuir o consumo.

Segundo a professora do curso de Design de Moda da Universidade Federal do Ceará (UFC) e designer da Missmano, Manuela Medeiros, o slow fashion é muito mais que uma oposição ao fast fashion. “É um movimento que busca fazer um equilíbrio entre os três pilares da sustentabilidade, que é o social, o econômico e o ecológico”. Dessa forma, além de ser uma produção mais lenta e preocupada com a qualidade da produção, há uma responsabilidade com o desenvolvimento sustentável, a partir da utilização de materiais biodegradáveis. O resultado atende à proposta: gera relações de trabalho mais humanas e prega a diminuição do desperdício, incentivando a reutilização de peças.

Além da atenção ao sustentável, o apelo com a peça de roupa se mostra pessoal. A valorização de aspectos regionais e a aproximação do consumidor com a produção garante um menor descarte das roupas usadas, como explica Sérgio Klisman, designer da Gabriela Fiúza, uma das marcas slow fashion de Fortaleza. “No fast fashion a gente tem um contato quase que descartável com a roupa, enquanto no slow fashion você vai ter um outro tipo de relação com aquela roupa. Porque ela é agregada de todos esses conceitos, todas essas ideias que transformam essa relação da pessoa com ela”.

Slow em Fortaleza Assim como o consumo, a produção de slow fashion tem crescido no Brasil e em Fortaleza. “Hoje existe um nicho de consumidores que já valorizam produtos de slow fashion, que já procuram, que já querem se informar de onde vem aquele produto, quem faz aquele produto, da onde é feito”, destaca Manuela Medeiros. O surgimento da produção slow fashion levou a uma mudança no estilo do consumidor, que passou a se preocupar mais com a fabricação das peças — querendo inclusive participar do processo de produção — e com a procura de marcas autorais, o que contribuiu para o surgimento de diversas marcas nesse setor. Começando pequenas, essas marcas conseguem se adequar mais facilmente aos moldes do slow fashion do que grandes indústrias. Um dos principais pontos a favor dessa relação é a eclosão de feiras de produção autoral, que contribuem para uma maior proximidade entre os distribuidores de matéria prima, produtores e consumidores. A consequência disso parece evidente há uma ligação mais estreita e um controle maior da produção. Uma das marcas que trabalham com esse tipo de moda aqui em Fortaleza é a Gabriela Fiuza, especializada em peças de festas e casuais com crochê. Segundo a proprietária, que dá título à marca, o principal motivo para querer trabalhar com slow fashion é a possibilidade de fugir do sistema frenético da moda. “Foi uma maneira fugir da coisa comum, da coisa exploratória, do que passa. Uma maneira de vender um produto que fosse, digamos, eterno”, conta.

Segundo a designer, a produção de uma peça pode levar de 15 dias a dois meses, com apenas uma artesã trabalhando em cada peça. Dessa forma, o cliente precisa fazer uma encomenda com antecedência, fator que abre margens para o acompanhamento de todo o processo de produção — incluindo a participação nele. “É legal porque a gente percebe que as clientes gostam, elas adoram vir e ver, acompanhar como tá o processo produtivo”, comenta Sérgio Klisman. Tal característica da produção lenta acaba acarretando um aumento dos preços de cada peça, já que é um processo mais trabalhoso e visa à criação de roupas únicas. “Eu não posso pegar um vestido desse que a pessoa demorou um mês fazendo e vender por 300 reais. Não paga, não tem como, porque a linha é cara, a mão de obra é cara, não tem como ser barato”, argumenta a proprietária da marca. Slow cabe no bolso Outra alternativa para aderir ao slow fashion é a compra em brechós, lojas que vendem artigos usados e representam, inclusive, um dos princípios desse movimento: o de dar uma nova vida a uma peça descartada. Segundo Isabelle Pertenelli, estilista da marca Sereia Loja e consumidora de roupas de brechós, esses locais apresentam muitas vantagens. “A roupa de brechó, além de barata, e sustentável é customizável”. Além disso, a jovem de 22 anos ressalta que esse hábito ajuda na desconstrução do pensamento da moda, e que o valor agregado à roupa incentiva o estudo sobre o que aquela peça representa. “A gente sai daquele comodismo da roupa montada na vitrine, da roupa montada no encarte, e passa a querer ter mais estilo, querer pesquisar mais e também afunilar mais o que a gente gosta.”, afirma.

Apesar disso, por ainda não ser um ramo tão explorado aqui em Fortaleza, os consumidores de brechós encontram algumas dificuldades na hora da escolha das peças. De acordo com Isabelle, um dos maiores problemas é o de encontrar peças adequadas ao clima da região. Ela conta que, pelas roupas serem trazidas, em sua maioria, do sul do país, há uma predominância de casacos, moletons etc. nos acervos. Porém, a estilista vê um ponto positivo: o incentivo à customização da peça, que representa um intuito sustentável, próprio ao slow fashion. Moda sustentável Uma das maiores críticas feitas à adesão da sustentabilidade na indústria da moda é relacionada à produção ser apenas uma estratégia de marketing. No entanto, para Manuela Medeiros, tal situação ainda é válida, visto que repensa os valores da produção e incentiva o consumo diferente e consciente: “por que uma empresa deveria aderir ao slow fashion? tanto por essa questão de pensar nas gerações futuras como também vai trazer um benefício real para ela”. A professora acredita que, com a onda do sustentável e do ecologicamente correto, as pessoas estão pressionando as empresas para que mudem seus processos produtivos e suas relações trabalhistas. Esse contexto é fortalecido ainda mais com as inúmeras reportagens, que viralizaram nas redes sociais, denunciando as condições subumanas em que os funcionários trabalhavam: “Eu conheço várias amigas que não compram mais em magazine, por conta daquelas reportagens virais que apareceram no Facebook falando do trabalho escravo e tal". Ser 100% sustentável é uma das grandes dificuldades não só do slow fashion, mas também das empresas que trabalham com essa tendência. A professora Manuela, que também trabalha em uma empresa de slow fashion, argumenta que, mesmo com a reutilização de resíduos têxteis, tingimento com maiores quantidades de recursos naturais e diminuição da terceirização, não há como garantir que todo o processo produtivo é inteiramente sustentável, justamente por causa do desconhecimento da origem de tecidos. A designer Gabriela Fiuza reitera essa situação em sua empresa, afirmando que “a matéria prima, querendo ou não, é industrializada”.


 
 
 

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